Pode ler-se na medscape desta semana, secção news, um paper publicado no Journal of Medical Ethics com o titulo : "Physicians' Religious Beliefs Influence End-of-Life Decisions".
Promissor no que ao título diz respeito, logo o artigo se esbarra no moralismo religioso bacoco, afirmando categoricamente que "Physicians who describe themselves as nonreligious are almost twice as likely to make decisions that may end a patient's life compared with physicians who described themselves as religious, according to new research". Aparentemente, as decisões médicas acerca da vida ou morte dos doentes são influenciadas por uma não religiosidade, pois que a não religiosidade ou a não crença, aumenta a probabilidade do médico tomar qualquer decisão que termine com a vida do doente que lhe foi confiado.
Não queriam os autores dizer que é a religiosidade do doente, e não a do médico, a pedra angular a ter em conta nas decisões feitas na agonia? Não queriam os autores dizer que os médicos não decidem seja o que for por estar escrito no livro dos salmos, ou no livro do êxodo, ou por acreditarem nisto ou naquilo, mas porque há evidência científica para determinada acção médica? Não queriam eles dizer que são justamento os médicos não crentes que se despem de imposições divinas, leis bíblicas ou mandamentos primitivos, para, com a maior imparcialidade possível, ouvir o doente, o que ele tem para dizer e o que ele quer fazer acerca da sua vida ou da sua morte?
Os valores religiosos são importantes nas decisões médicas em fim de vida? Claro que sim, mas são os valores do doente. Se o médico acredita em Shiva, Buda, Alá, Cristo ou Maomé pouco ou nada interessa, a não ser para enviesar uma medicina que se quer baseada na evidência e não no verbo divino.
É o doente que atende às directrizes da sua própria religião para decidir de si próprio. Nunca pode ser o médico a moldar uma decisão às suas próprias crenças. A diferença é que a religiosidade do doente, e qualquer decisão que daí advenha, recai sobre o próprio. (é dele para ele). A religiosidade do médico, quando interfere no processo de decisão, recai sobre o doente, que fica privado ou é sujeito a determinada prática logicamente deturpada.
PS. Curiosamente, uma outra conclusão bem mais lógica deste estudo foi "The most religious physicians were also significantly less likely to have discussed end-of-life care decisions with their patients than other physicians." straight to the point