quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sobre a corda



A forma como nos relacionamos é tudo menos simples. Desde a descoberta inicial até ao fulgor do sabermos exactamente aquilo que queremos, desde a dúvida de quem dá os primeiros passos quando até então só gatinhava, a angústia de quem parte a saber exactamente o destino mas a desconhecer por completo o caminho que terá de percorrer. É assim que vamos e que andamos nas pedras do caminho do amor. O dilema constante de caminhar e de por os pés nos sítios certos, a descoordenação dos sentimentos, a ataxia do amor atinge-nos como um relâmpago. E não estamos assim somente por estarmos apaixonados. Vivemos isto porque o sentimento, a paixão, é para com um outro semelhante a nós e é justamente porque o outro se nos afigura tão semelhante, que temos medo. Temos medo de caminhar em direcções opostas. Temos medo das expectativas dissonantes. Temos dúvidas se andamos do mesmo lado do passeio ou se simplesmente nos cruzamos quando íamos em sentidos trocados. Do mesmo lado do passeio do amor sim.


E se eu não chegar ao meu destino? E se, no caminho, as encruzilhadas me atrapalharem e eu tomar o trilho que leva ao desespero? E se eu não conseguir seguir pelo caminho certo, porque ele é traiçoeiro e difícil e os meus pés não aguentarem? Não depende só do caminho e do destino. Depende de quem o percorre e de quem a ele chega. É que é dentro de quem caminha que se vivem as coisas. É dentro dele que se afiguram todas as possibilidades. Não é senão na sua esfera interior que surgem o plano, os actores e os cenários. E ele sabe tão bem que tudo pode falhar, porque tudo aquilo foi sua criação. E é tomados pelo desespero que temos de estar. Neste milieu interior de dúvida, de medo e de angústia , seguimos em frente. Tropeçamos, caímos, mas seguimos em frente. Porque o caminho atrás de nós vai-se fechando. Não há retorno. Amamos enquanto caminhamos no sentido do amor. Amamos enquanto não sabemos o que é o Amor. Desconheçemos o propósito, mas sabemos exactamente ao que é que ele sabe, ao que é que ele cheira, porque o sentimos todos os dias debaixo da pele. Cheio de certezas e de dúvidas. Os paradoxos do caminho do amor atingem-nos como um trovão. Mas amamos. Mas amo, sei que amo, porque o sinto, apesar de não saber o que ele é. Sei que é o destino, sei que é para lá que corro todos os dias, mas dele não tenho mais senão fugazes vislumbres. E deixo-me ir. Arrastado sabe-se lá por que corda e muito menos por quem a puxa. Sinto-a enroscada no meu corpo e não luto por me libertar. Já fui livre dela, já me tentei libertar dela quando me atingiu por outras ocasiões… mas não agora. É que nessas outras ocasiões o força da corda magoava e desta vez não. Desta vez deixo-me ir, porque sei que quero ir, porque sei que quero acabar sufocado até aos olhos. E deixo-me embriagar, deixo-me modificar por este sentimento que me invadiu sem pedir autorização para entrar. Chegou sem avisar, entrou sem bater, instalou-se sem pedir e modificou-me sem sequer explicar ao que vinha. “Tens de viver comigo” disse num tom de gozo de quem sabe ter razão mas não ter meios de o provar. E eu fiquei mudo e não soube o que dizer. Porque as palavras estavam presas e não se soltaram. Porque me queria defender da invasão mas não fui capaz porque ela já cá estava e de cá não tinha intenção de sair. E deixei-me arrastar… deixei-me levar. Não posso dizer que foi voluntário, mas foi inevitável. É como a inevitabilidade de termos de respirar e encher periodicamente os pulmões.



Puxa-me esta corda de soslaio, amarrou-me qual presa fácil e eu não resisti. E não resisto. Porque vivo a corda entrelaçada, mas não sei quem a puxa. E a corda é aquilo que nos une, está no meio de dois termos de fio. E fico e vou ficando, na esperança que a corda me ajude a percorrer os caminhos do amor. Aliás, a corda é esse caminho, a corda é o amor. Quem a puxa é o objecto de amor que eu não conheço ainda. Mas sei que ele me puxa com força, porque o sinto dentro do peito. E senti-lo dentro do peito, atinge-me como uma tempestade. Esta corda das tormentas, esta corda que arrasta o mau tempo e que lança raios de luz que rasgam a uniformidade das trevas, esta corda é a minha vida. Estou no caminho que não escolhi mas que tenho de percorrer. Sei o destino mas não o conheço. Sei esta corda que me aperta a carne mas não me posso libertar dela, mas não me quero libertar dela. Por isso, deixo-me ir e nesta noite eu vou ser único. Nesta noite, eu vou chegar ao fim dos ladrilhos que piso. Esta noite vou ver quem me puxa. Assim sonho a cada passo que dou. Na vã esperança de ver quem me puxa. E sou eu, e sou assim, caminhante, amarrado e com um destino à minha espera. Vou para ele… é só uma questão de viver.

1 comentário:

  1. "A forma como nos relacionamos é tudo menos simples". Só isto diz tudo !
    Somos seres tao complicados que até mete dó.

    Gostei do post ^^

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